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Responsabilização de tomador de serviço por acidente gera debates nos tribunais.

A 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou empresa terceirizada e tomadora de serviços solidariamente ao pagamento de indenizações por acidente de trabalho fatal em veículo de um colega, a serviço do empregador, quando o veículo em que estavam capotou na estrada.

A condenação foi de R$ 100 mil por danos morais e R$ 161 mil por danos materiais. A ministra Kátia Magalhães Arruda, relatora no processo na Turma, entendeu que a culpa da empresa poderia ser presumida, pois era seu dever colocar à disposição do empregado veículo próprio para o cumprimento das ordens. “Não o fazendo, assumiu de maneira inequívoca o risco por eventual acidente de trânsito em carro de terceiro”, concluiu.

O acidente aconteceu quando, por ordem do encarregado, foi a vítima com mais dois colegas, no veículo antigo de um deles, até o escritório da empregadora receber cestas básicas.

Para as instâncias inferiores, mesmo que o acidente tenha ocorrido quando a vítima se encontrava a serviço da empresa, a culpa teria sido de terceiro e a situação se enquadraria como caso fortuito (o furo e estouro do pneu). Essa circunstância excluiria o nexo de causalidade entre o acidente e eventual conduta culposa pela empresa, impedindo a sua responsabilização pelos danos morais e materiais enfrentados pelos familiares do empregado falecido.

Mas no TST foi destacado que o acidente ocorreu quando o empregado se encontrava a serviço da empresa, porquanto “O fato de o veículo ser de terceiro não é excludente de responsabilidade da empresa”. “Pelo contrário, trata-se de elemento agravante, pois significa que ela não forneceu condução própria”. A seguir a ementa da decisão nos embargos declaratórios:

EMENTA: I – … ACIDENTE DE TRABALHO. MORTE DO EMPREGADO. CUMPRIMENTO DE ORDEM DA EMPREGADORA. ACIDENTE DE TRÂNSITO EM CARRO DE TERCEIRO. EMPRESA QUE NÃO FORNECE A CONDUÇÃO. DEVER DE ZELAR PELA SEGURANÇA DO TRABALHADOR. Não constatados os vícios de procedimento previstos nos arts. 1.022 do CPC/2015 e 897-A da CLT. Embargos de declaração a que se rejeitam, com aplicação da multa de 1% sobre o valor da causa, prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC (1.026, § 2°, do NCPC).

II – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO DNIT. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N° 13.015/2014. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO. ENTE PÚBLICO. 1. Em situação como a dos autos, em que se discute a responsabilidade civil em face de acidente de trabalho de empregado de empresa terceirizada, a presunção de culpa decorrente de fortuito interno alcança também o tomador de serviços, de forma solidária, mesmo se tratando de ente público, não se aplicando ao caso o disposto no art. 71, § 1°, da Lei n° 8.666/93 (PROC. N. TST-ED-RR-250-55.2013.5.14.0004).

Nas terceirizações de atividades e de serviços e nas intermediações de mão-de-obra o entendimento majoritário assegura a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços (inc. IV da Súmula 331 do C. TST). Mas há quem entenda que nesses casos, todos aqueles que compõem a rede produtiva e de benefícios da atividade final devem responder solidariamente pelos prejuízos causados ao meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador. O fundamento é o novo Código Civil, que deu tratamento diferente e mais abrangente à questão da responsabilidade por ato de terceiro, assim dizendo:

Art. 932: São também responsáveis pela reparação civil: … III — o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele (grifados).

Art. 933: As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos (grifados).

Art. 942: Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932 (grifados).

Dos dispositivos legais acima transcritos decorre que alguém, mesmo não tendo praticado diretamente um ato danoso para outrem, pode ter que responder pelas consequências advindas. A responsabilidade em relação ao terceiro e aquele chamado a responder é objetiva (artigo 933). No Código Civil anterior (artigo 1.523), para se responsabilizar alguém por um ato de terceiro era preciso saber se houve culpa daquele na relação estabelecida com o terceiro, a qual, depois de algum tempo, passou a ser presumida pela jurisprudência para facilitar a obtenção da reparação e não deixar desamparada a vítima que sofreu um dano injusto.

Na área trabalhista, o caso mais comum de ato de terceiro é o das terceirizações de serviços, em que existe um contrato entre o tomador e a empresa prestadora, pelo qual esta recebe ordens da contratante para a realização dos serviços objeto do contrato, na direção do interesse objetivado pela tomadora, que determina à contratada o modo como devem aqueles ser realizados.

Certamente o tema propiciará muitos debates nas instâncias trabalhistas, como se vê da decisão supra.

(*) Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário UDF. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Raimundo Simão de Melo (*), 14.10.2016

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